Profeta

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Caso Banestado ou "meteram a mâo no Paraná"

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Como parte da imprensa destacou parte do caso – com a Justiça Federal condenando os envolvidos em desvio de dinheiro do Banestado para a campanha de Jaime Lerner – e a Agência Estadual de Notícias – http://www.aenoticias.pr.gov.br/ – fez uma excelente série de matérias, o blog as repica abaixo e também coloca no banner ao lado para todo mundo ler e se inteirar sobre o assunto.

A série de quatro matérias traz a condenação de empresários, trechos do diálogo em que ex-diretor do Banestado confessa desvio para campanha, lembra a semelhança do caso com o pagamento irregular de R$ 10 milhões para saldar dívidas de outra campanha aliada de Jaime Lerner e ainda aponta o doleiro Alberto Youssef como peça chave dos esquemas de corrupção do governo Lerner. Uma boa leitura a todos.

Justiça condena envolvidos em desvio de dinheiro do Banestado para campanha de Jaime Lerner

Sentença do juiz federal Sergio Fernando Moro tem como base processo movido pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual e investigações da Polícia Federal, do Banco Central e de Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Assembleia Legislativa para apurar irregularidades no Banestado

A Justiça Federal condenou por corrupção três empresários paranaenses que emprestaram US$ 3,5 milhões (em valores de 1998) do Banestado e desviaram parte do dinheiro para a campanha de reeleição do ex-governador Jaime Lerner. A sentença do juiz federal Sergio Fernando Moro tem como base processo movido pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual e investigações da Polícia Federal, do Banco Central e de Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Assembleia Legislativa para apurar irregularidades no Banestado.

Os empresários José Maria Ribas Muller (Tucumann Engenharia e Empreendimentos), Sergio Fontoura Marder (Redram Construtora de Obras) e Maria Cristina Ibraim Jabur (Jabur Toyopar Importação e Comércio de Veículos) foram condenados por crime de corrupção e participação em crime de gestão fraudulenta. Muller também foi condenado por crime de evasão de divisas. Ele foi condenado a oito anos e oito meses de prisão. Marder e Maria Cristina devem cumprir sete anos e quatro meses de reclusão.

Os três também foram condenados a pagar os prejuízos sofridos pelo Banestado e pelo Estado do Paraná, já que os empréstimos não foram pagos no vencimento. Um dos empresários já depositou em juízo o dinheiro necessário para a devolução.

Gabriel Nunes Pires Neto, ex-diretor do Banestado, e o doleiro Alberto Youssef, envolvido em outros casos de corrupção e desvio de dinheiro público no governo Jaime Lerner, serviram como testemunhas ao Ministério Público Federal, graças ao programa de delação premiada. Pires Neto confessou à Justiça que parte do dinheiro foi usado na campanha de reeleição de Lerner. “(José Maria Ribas Muller e Sergio Fontoura Marder) entregaram para mim uma maleta contendo duzentos mil dólares”, disse, em depoimento citado no processo.

O CASO – O Ministério Público Federal (MPF), autor da ação, explica que os empréstimos foram concedidos de forma fraudulenta por uma agência localizada nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal, mediante pagamento de vantagem indevida ao então secretário da Fazenda, Giovani Gionédis, e que o dinheiro retornou ao Brasil pelo mercado negro. As acusações do MPF tem como base depoimentos de Gabriel Nunes Pires Neto e Alberto Youssef.

Foram três empréstimos – US$ 1 milhão à Tucumann Engenharia e Empreendimentos, US$ 1 milhão à Redram Construtora de Obras e US$ 1,5 milhão à Jabur Toyopar Importação e Comércio de Veículos. Em troca, as empresas entregaram parte do dinheiro – pelo menos US$ 331 mil – ao “acusado Giovani Gionédis, que o teria recolhido para a campanha eleitoral de 1998″ (do ex-governador Jaime Lerner), escreve o juiz.

Segundo o MPF, os três empréstimos foram concedidos sem procedimentos de solicitação e concessão de crédito, sem avaliação econômica dos tomadores, sem aprovação das operações pelos órgãos competentes do Banestado e sem garantias suficientes para o banco. “Constata-se, pelos elementos constantes nos autos, que as afirmações do MPF correspondem à realidade”, anota Sérgio Moro.

“É forçoso reconhecer que houve gritante violação, pelo diretor Gabriel Nunes Pires Neto, das boas práticas bancárias e das normas internas do Banestado, com favorecimento indevido das três empresas. Apenas após a delação premiada celebrada entre Pires Neto e o Ministério Público Federal foram elucidados os motivos subjacentes à concessão das operações na forma adotada”, relata o magistrado.

Em seguida, o juiz transcreve, no processo, depoimento do ex-diretor do Banestado. Nele, Pires Neto explica que Tucumann e Redram tinham recursos a receber do Estado. “Vivíamos na época, excelência, uma campanha eleitoral, aonde (sic) empresas eram procuradas para contribuir. Me foi sugerido que viabilizasse, pelo então presidente do Conselho de Administração do Banco (Banestado), o recurso para essa empresa (a Tucumann e a Redram), que elas colaborariam com a campanha do governador Jaime Lerner, candidato na época”, confessou Pires Neto ao juiz.

Em seguida, Sérgio Moro pergunta – “Quando o senhor fala ‘presidente do Conselho de Administração’, fala do senhor Giovani Gionédis?”. “Sim”, responde Pires Neto. O interrogatório prossegue. “O senhor tem conhecimento se, efetivamente, ocorreram as doações de campanha?”, questiona Moro. “Ocorreram”, crava o ex-diretor do Banestado. “(José Maria Muller e Sergio Marder) Entregaram para mim uma maleta contendo, me foi informado, duzentos mil dólares”, acrescenta.

“Os empréstimos foram concedidos em virtude de seu condicionamento ao pagamento de vantagem indevida pelos beneficiários, que teria sido direcionada à campanha eleitoral de 1998. Tal condicionamento explica a urgência na concessão dos empréstimos, pois a campanha estava em andamento e os recursos eram necessários”, conclui o juiz Sérgio Moro. “Se a concessão fosse submetida à aprovação pelo comitê, corria o risco de ser reprovada, considerando as restrições cadastrais que pesavam sobre as empresas, e (as) garantias frouxas. (Mas) estas não tinham maior importância, já que o objetivo maior era obter a vantagem indevida”, argumenta.

“O comportamento das empresas beneficiadas e dos acusados após a concessão dos empréstimos também corroboram as revelações dos delatores”, anota o juiz. Mais adiante, ele conclui: “há prova suficiente e independente para corroborar as declarações dos delatores de que os empréstimos foram concedidos mediante o pagamento de vantagens indevidas, e que foram direcionadas para a campanha eleitoral de 1998″ de Lerner.

Apesar disso, o juiz entendeu que não havia provas suficientes para condenar Giovani Gionédis. “(Gionédis) teria determinado ao diretor Gabriel Nunes Pires Neto o atendimento das empresas Tucumann e Redram, e recebido os valores pagos a título de vantagem indevida pelas duas empresas e pela Jabur Toyopar, para destinação posterior à campanha eleitoral de 1998, como recursos não-contabilizados”, escreve o juiz. “Entretanto, diferente do que ocorre em relação aos empresários beneficiados, a única prova que relaciona Gionédis ao fato é a afirmação do delator. (Assim), não há provas suficientes para uma condenação.”

Leia o diálogo em que ex-diretor do banco confessa desvio para campanha

Em trecho do processo, o ex-diretor do Banestado Gabriel Nunes Pires Neto confessa o crime, e diz que agiu sob ordens do então secretário da Fazenda, Giovani Gionédis

Em trecho do processo que condena três empresários por desvio de dinheiro do Banestado para a campanha de reeleição do ex-governador Jaime Lerner, o ex-diretor do banco Gabriel Nunes Pires Neto confessa o crime, e diz que agiu sob ordens do então secretário da Fazenda, Giovani Gionédis.

Leia techos do depoimento de Pires Neto ao juiz Sergio Fernando Moro. A transcrição dos diálogos é literal.

Gabriel Nunes Pires Neto – As duas empresas, Tucumann e Redram, que viessem no banco, são, eram, na época, empreiteiras do Estado, tinham, é, recursos a receberem do, do, do Estado. O Estado não pagava, demorava apara pagar. Eles já, a algum tempo anterior a data dessa operação, já procuravam o banco para, para obter empréstimos. A Tucumann tinha uma linha de, de, de crédito de, numa conta de empréstimo, e a Redram não me recordo bem se tinha ou não. Eram empresas que, que, vivíamos, na época, Excelência, uma campanha eleitoral, véspera de campanha eleitoral, aonde empresas eram procuradas para contribuir, principalmente empresas empreiteiras do Estado. Tanto o José Maria, Maria Muller da Tucuman, quanto Redran, o Sergio Marder da Redran, tinham haveres com o Estado através do, do DER, e me foi sugerido que se viabilizasse, pelo então presidente do Conselho de Administração do Banco, que se viabilizasse o recurso para essa empresa, que elas colaborariam com a campanha do Governador Jaime Lerner, candidato na época.

Juiz Sergio Moro – Quando o senhor fala ‘presidente do conselho de administração’, o senhor fala do senhor Giovani Gionédis?

Pires Neto: Sim.

(…)

Juiz – Mas os termos que ele teria utilizado, o senhor se recorda?

Pires Neto – Para viabilizar, pra, pra, pra, pra Tucuman, pra Redram, que eram credores do, do, do Estado, do DER, alguma operação que, que eles estavam, estariam dispostos a colaborar com a campanha.

(…)

Juiz - E o senhor tem conhecimento se, efetivamente, houve as, ocorreram as doações de campanha?

Pires Neto – Ocorreram.

Juiz – Pelas duas empresas, Tucuman e Redram?

Pires Neto – Houve, me entregaram, foi entregue a mim no banco, estava o senhor José Maria Muller e, acompanhado de Sergio Marder.

Juiz – Eles levaram ao senhor?

Pires Neto – Entregaram para mim uma maleta, contendo, o que foi me informado, eu não abri, que tinha duzentos mil dólares.

Juiz – O senhor falou da Tucumann e da Redram, da Toyopar como foi a, houve também uma solicitação por parte de alguém que houvesse atendimento a Toyopar nas mesmas circunstâncias?

Pires Neto – Houve. Com relação a Toyopar, o contato foi feito com Alberto Youssef?

Juiz – Tá. Mas a questão da doação de campanha, houve também?

Pires Neto – Essa não, não teve nenhuma participação do secre, do, do senhor Giovani, não teve. Eu que, espontaneamente, procurei, que, como era momento de campanha, momento de arrecadação, eu fiz no sentido de colaborar, pensava que estava fazendo.

Juiz – Quanto que foi doado nessa?

Pires Neto – Cento e trinta mil dólares, aproximadamente.

Juiz – Então prosseguindo no processo, vou repetir até a pergunta, senhor Gabriel, por que a preocupação do Juízo é a seguinte: se foi o senhor que exigiu que houvesse essa, essa, essa doação ou sugeriu que o empréstimo taria ligado uma coisa a outra – eu tô beneficiando as empresas, eu estou atendendo as empresas, mas eu quero uma contrapartida para a doação – ou se isso partiu de fato do senhor Giovani Gionédis.

Pires Neto – Com a Toyopar, partiu de mim, com a Jabur Toyopar, partiu de mim. Conversei com o Alberto Youssef e ele concordou. Com relação às outras, quando da conversa no atendimento da pretensão delas, pelo fato de que tinham, tinham créditos a receber, eu, quando eu conversei com o José Maria, coloquei para ele doação para campanha. O senhor Giovani não me falou, quando comentou sobre as empresas, ‘peça x para campanha’. Mas eu entendi, entendo, e era isso que a gente fazia. Conversei com o Zé Maria [José Maria Ribas Muller]. Tanto é que ele não respondeu na hora, ele foi pensar, e no dia seguinte veio e concordou.

Juiz – Quando o senhor teve essas negociações aí com o senhor Ribas Muller e o senhor Sérgio Marder, foi mencionado para eles explicitamente da questão de doação de campanha?

Pires Neto – Foi.

Caso tem semelhanças com pagamento irregular a empreiteira

DER pagou R$ 10,7 milhões a empreiteira no último dia útil do governo Lerner, contariando pareceres técnicos e jurídicos

O caso em que três empresários foram condenados pela Justiça Federal por desvio de dinheiro público do Banestado para uso em camanha eleitoral tem grandes semelhanças com o pagamento indevido de R$ 10,7 milhões do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) à DM Construtora por uma obra já integralmente quitada. Autorizado no último dia útil do governo Jaime Lerner, 30 de dezembro de 2002, o pagamento contrariou pareceres técnicos e jurídicos e foi feito sem a anuência da Justiça.

O Governo e o Ministério Público do Paraná (MP) questionam na Justiça o acordo, assinado pelo então diretor-administrativo do DER, José Richa Filho – irmão do prefeito de Curitiba e atual secretário de Administração da capital. Ele entregou os R$ 10,7 milhões à DM Construtora em novo pagamento por uma obra já integralmente quitada durante o primeiro mandato de Roberto Requião (1991/94).

Se acaba de condenar os envolvidos no empréstimo irregular do Banestado, a Justiça é lenta no caso DM, avalia o procurador-geral do Estado, Carlos Frederico Marés. Há seis anos o Estado cobra na Justiça a devolução dos R$ 10,7 milhões. “Mas ainda estamos discutindo se deve ser feita perícia contábil para ver se os R$ 10,7 milhões eram ou não devidos, e se a ação do Estado causa algum dano à DM”, relatou Marés. “A ação que impetramos em 2003 discute um ponto muito simples: é ilegal ou não um governo, no último dia útil de seu mandato, entregar R$ 10,7 milhões numa decisão administrativa.”

Na ação judicial movida pelo Governo do Paraná, o MP afirma que o acordo assinado por Richa Filho – irmão do prefeito de Curitiba e atual secretário de Administração do município – é nulo. A ação ainda era discutida na Justiça quando foi feito o acordo para o pagamento dos R$ 10,7 milhões à DM. Ele foi feito sem a anuência da PGE, do Ministério Público ou do juiz da ação.

A Procuradoria Geral do Estado foi à Justiça questionar o pagamento em 27 de março de 2003. A ação pede a nulidade do acordo e a devolução do dinheiro aos cofres públicos. O juiz que analisou o caso em primeira instância determinou o depósito judicial do dinheiro. Logo depois, entretanto, o Tribunal de Justiça anulou a decisão, e o dinheiro pago indevidamente à DM não foi devolvido.

A DM trabalhou na duplicação do trecho Curitiba-Garuva da BR-376. A obra foi integralmente quitada durante o primeiro mandato do governador Roberto Requião, entre 1991 e 1994. Mas, em 2000, a empreiteira foi à Justiça requerer o pagamento adicional de R$ 16,4 milhões, alegando serviços não pagos e cláusulas contratuais não cumpridas.

À época, procuradores do DER comprovaram que a empreiteira já recebera R$ 8,4 milhões a título de juros e correção monetária, além de outros R$ 5,1 milhões dos quais, inclusive, assinou termo de quitação. Na defesa do DER no processo, os procuradores afirmaram que qualquer novo pagamento à construtora DM seria “pagamento em duplicidade”, e que caso fosse executado isso poderia caracterizar “enriquecimento ilícito e sem causa” da empreiteira.

A defesa do DER foi apresentada à Justiça em 4 de setembro de 2000, quando José Richa Filho já era diretor administrativo-financeiro do DER. Até dezembro de 2002, o caso ainda não fora julgado. Ainda assim, o diretor-administrativo do DER assinou a ordem de pagamento de R$ 10,7 milhões à empreiteira, poucas horas antes do encerramento do mandato de Lerner.

Delator premiado, Alberto Youssef é peça-chave em outros esquemas

Doleiro participou ativamente do escândalo Copel/Olvepar, que custou R$ 80 milhões aos cofres públicos

O envolvimento no desvio de dinheiro do Banestado para a campanha de reeleição de Jaime Lerner não é a única participação do doleiro Alberto Youssef em irregularidades da gestão do ex-governador. Ele é peça-chave em esquema que custou R$ 80 milhões aos cofres públicos, com a venda de créditos tributários de uma empresa falida à Copel. Como no caso do Banestado, um auxiliar direto de Lerner está envolvido – o então secretário da Fazenda, Ingo Hubert, sucessor de Giovani Gionédis na pasta.

Noite de domingo, 23 de março de 2003. Reportagem do Fantástico, revista semanal da TV Globo, apresenta uma denúncia grave. Narra o repórter – “(O doleiro) Alberto Youssef foi pego atuando em um golpe que deu prejuízo de R$ 80 milhões aos cofres do Estado do Paraná. Uma empresa falida, a Olvepar, vendeu créditos do ICMS para a Copel, a Companhia Paranaense de Energia Elétrica. A Copel comprou os créditos com a autorização da secretaria estadual da Fazenda. Na época, o presidente da Copel era também o secretário da Fazenda do Paraná, Ingo Henrique Hubert. A Os repórteres do Fantástico procuraram o ex-secretário Ingo para saber por que ele autorizou a transferência dos créditos, mas não foram recebidos.”

Um pouco adiante, assiste-se em rede nacional à prova do crime – “O caso da Copel mostra em ação o homem que é apontado como um especialista em lavagem de dinheiro. As imagens foram feitas em Curitiba, no dia 12 de dezembro, por uma câmera de segurança da agência do Banco do Brasil. As imagens mostram a chegada do tesoureiro da Copel. Atrás dele, vêm Alberto Youssef e o advogado da empresa falida, João Carlos Fioravante. Instantes depois, eles são recebidos na gerência. Em três saques, o Estado do Paraná teria perdido quase R$ 40 milhões. O dinheiro foi depositado em contas de microempresas no Rio – mais uma operação com o estilo de Youssef.”

A matéria termina com uma pergunta – “Com essas imagens, o Ministério Público do Paraná tem novas provas que podem complicar a vida de Alberto Youssef. Será que a maior lavanderia de dinheiro sujo do país vai continuar funcionando?” A matéria – que pode ser lida na internet em http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL692873-15605,00.html – antecipa o esforço do Ministério Público para desmontar um esquema criminoso que, segundo os promotores, envolvia autoridades do Estado. Quatro dias mais tarde, a Justiça receberia ação civil pública por improbidade administrativa e denúncia-crime contra Hubert, Youssef e outros envolvidos na operação de compra de créditos de ICMS da Olvepar pela Copel.

A fraude – que sangrou R$ 106,9 milhões dos cofres públicos – rendeu títulos fortes nos jornais paranaenses. “Negociata da Copel pode ser anulada”, bradou a Folha de Londrina em título à primeira página em 25 de fevereiro. No dia seguinte, o assunto mereceu a manchete “Cadeia para Ingo e Youssef”. O Estado do Paraná não ficou atrás – “Mutreta na Copel dá cadeia para Ingo Hubert e mais sete”, escreveu em sua manchete do dia 26.

Os promotores também pediram a prisão de Hubert e do doleiro. Ambos fugiram. Na edição que foi as bancas no dia 27 de fevereiro, a Folha de Londrina informava, na matéria que abria a página 3, intitulada “Polícia não consegue prender ex-secretário” – “Até o início da noite de ontem (…) Ingo Hubert ainda era considerado foragido pela Justiça”.

A Gazeta do Povo dava pistas do paradeiro do fugitivo – “Hubert é visto no Boa Vista”, dizia título de matéria do mesmo dia, que informava que o ex-presidente da Copel fora visto saindo do escritório de um dos sócios da Tradener, empresa cuja criação tempos depois motivaria novas ações por improbidade administrativa. Horas mais tarde, um habeas corpus cassou o mandado de prisão preventiva contra Hubert, Youssef e outros envolvidos no caso.

Pouco mais de um ano depois, Ingo Hubert voltaria às manchetes – desta vez, preso, ao lado do ex-colega José Cid Campêlo Filho, secretário de Governo de Lerner. Desta vez, tratava-se do caso Copel/Adifea, que deixou um rombo de R$ 16,8 milhões nos cofres públicos. “Golpe na Copel – Dois ex-secretários entre os dez presos”, dizia a manchete de O Estado do Paraná em 7 de abril de 2004. “Polícia prende ex-secretários de Lerner”, noticiou a Gazeta do Povo, que também lembrava que “Gestão de Hubert na Copel é alvo de outras investigações”.

A Agência Folha, da Folha de S. Paulo, informava que “os promotores do caso não deram entrevistas, mas segundo apurou a Agência Folha, eles consideram Campêlo Filho e Hubert como mentores da operação”. Um pouco adiante, relatava – “As prisões de ontem foram baseadas em investigações de um outro caso, o da apuração feita por uma força-tarefa formada por procuradores, juízes e policiais federais sobre remessas ilegais para o exterior via contas CC5 (de não-residentes). A força-tarefa tomou depoimento do doleiro Alberto Youssef sobre diversos assuntos e repassou parte das informações para o Ministério Público Estadual, que já investigava o caso Copel.”

De novo, um habeas corpus livrou Hubert – e Campêlo – da cadeia, onde ficaram do início da manhã ao final da noite daquele 6 de abril. No dia seguinte, o Jornal Hoje, da TV Globo, lamentava – “Apenas um dia: quatro pessoas presas, acusadas de desviar dinheiro da Copel, foram soltas por ordem do Tribunal de Justiça do Paraná. Entre elas estão dois ex-secretários do governo Jaime Lerner. Outras quatro pessoas permanecem presas em Curitiba”, dizia o texto – a nota pode ser lida na íntegra em http://jornalhoje.globo.com/JHoje/0,19125,VJS0-3076-20040407-47795,00.html

As duas fraudes em que Ingo Hubert é peça-chave deixaram um rombo de R$ 123,5 milhões nos cofres públicos. Mais de cinco anos após a primeira denúncia do Ministério Público, entretanto, a Justiça ainda não pronunciou-se sobre os indiciados nos casos Olvepar e Adifea. Entretanto, foi bem mais rápida ao julgar reclamação de Hubert contra Requião – que classificou o ex-presidente da Copel de “ladrão”. Em apenas um ano e meio, Requião já está condenado. Hubert sequer foi julgado.

O programa 181e o que é o crack,e seus efeitos

181 - NARCODENÚNCIA


O programa 181 – NARCODENÚNCIA funciona numa ação integrada das Secretarias da Justiça e da Segurança Pública, Ministério Público e Poder Judiciário. Implantado em junho de 2003, com a denominação inicial de 161 – Narcodenúncia, o programa criou uma grande corrente de combate ao narcotráfico em todo o território paranaense, com a participação direta da comunidade, fazendo com que as polícias batessem recordes na apreensão de drogas em todo o Paraná.

Com o sucesso alcançado, o governador Roberto Requião conseguiu com o Governo Federal a implantação de um número nacional, o 181, em contrapartida o governador cedeu os direitos e também o uso do software de todo o programa para que qualquer estado possa implantar o Narcodenúncia. O objetivo do governador é que todos os outros estados adotem o 181 para que se possa criar um banco de dados nacional e interligado, fazendo do Narcodenúncia uma das melhores ferramentas no combate ao tráfico de drogas, assim como já acontece no Paraná.

Hoje, o 181 – NARCODENÚNCIA atende a chamadas de qualquer cidade do estado através das centrais de atendimento à população instaladas em seis cidades: Curitiba, Ponta Grossa, Londrina, Maringá, Cascavel e Pato Branco. Desde maio de 2006, o 181 também passou a atender denúncias de abusos cometidos contra crianças e adolescentes.
Visite o sítio: www.pr.gov.br/narcodenuncia

Atendimento NARCODENÚNCIA.

Listas dos principais telefones dos órgãos da SESP:

SESP: 3313-1900
PM: 190
PC: 197
IML: 3281-5600
SIATE: 193

SAMU: 192
Corpo de Bombeiros: 193
Defesa Civil: 199
Polícia Rodoviária Estadual: 198
Polícia Rodoviária Federal: 191

Polícia Federal: 194
Narcodenuncia: 181
Polícia Ambiental: 0800-643 0304
Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes: 100

Ouvidoria das Policias: 0800-41 0090
SICRIDE (Informações Sobre Crianças Desaparecidas): 3224- 6822
Delegacia de Vigilância e Capturas: 33221457
DETRAN: 0800-643-7373

Para consultar todos os telefones da Polícia Civil no Paraná, clique em:
http://www.policiacivil.pr.gov.br/policiacivil/modules/listatelefonica/

Para consultar todos os telefones da Polícia Militar do Paraná, clique em:
http://www.pm.pr.gov.br/

Para consultar todos os telefones do Instituto de Criminalística no Paraná, clique em:
http://www.pr.gov.br/policiacientifica/enderecos.shtml

Para consultar todos os telefones do Instituto Médico Legal no Paraná, clique em:
http://www.pr.gov.br/iml/contatos.html

Crack




Aspecto do crack.

"Droga voce paga a vista e morre a prestação,olhe para as consequencias e a dor que tens no teu interiore trate-a dando o primeiro passo,não escolha a morte,substitua a vontade de consumir pela abnegação da fé e o poder de Jesus quando reconhecer o poder de DEUS em tua vida e ver que teu falso dominio sobre as drogas não existe tudo posso naquele que me fortalece não desista da vída de um passo a mais de fé.

O crack deriva da planta de coca, é resultante da mistura de cocaína, bicarbonato de sódio ou amônia e água destilada, resultando em grãos que são fumados em cachimbos.

O surgimento do crack se deu no início da década de 80, o que possibilitou seu fumo foi a criação da base de coca batizada como livre.

O consumo do crack é maior que o da cocaína, pois é mais barato e seus efeitos duram menos. Por ser estimulante, ocasiona dependência física e, posteriormente, a morte por sua terrível ação sobre o sistema nervoso central e cardíaco.

Devido à sua ação sobre o sistema nervoso central, o crack gera aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremores, excitação, maior aptidão física e mental. Os efeitos psicológicos são euforia, sensação de poder e aumento da auto-estima.

A dependência se constitui em pouco tempo no organismo. Se inalado junto com o álcool, o crack aumenta o ritmo cardíaco e a pressão arterial o que pode levar a resultados letai

Pela forma de uso o Crack...
Andréa Graiz

É mais potente do que qualquer outra droga e provoca dependência desde a primeira pedra. A droga é de fácil acesso, sem cheiro, de efeito imediato e aprisiona pacientes e seus familiares.

O baixo custo da pedra – em torno de R$ 5 – revela-se ilusório. Empurrado para o precipício da fissura, o dependente precisa fumar 20, 30 vezes por dia. Desfaz-se de todos os bens, furta de familiares e amigos e, por fim, começa a cometer crimes.


Luiz Felipe Wolski, consultor da Associação brasileira de agentes de saúde em alcoolismo e dependência química, relata que o crack provoca dependência física e leva à morte por sua ação fulminante sobre o sistema nervoso central e cardíaco. Após cinco minutos sem usar a droga, o usuário sente "crise de abstinência" e sente necessidade de fumar novamente.

Wolski, que trabalha nos Centro Antitóxicos de Prevenção e Educação (Cape) da cidade, conta que o serviço é procurado por familiares de viciados. "Eles chegam perguntando o que podem fazer, já que estão vivendo um tormento. Depois, nós fazemos uma visita ao usuário. Na maioria das vezes, eles não querem ajuda e dizem estar bem", afirma Felipe.

Mesmo com a rejeição do viciado, os agentes voltam várias vezes a procurá-lo, muitas vezes acompanhados de psicólogos, para convencer o usuário a se tratar. "Quando eles aceitam, sentimos que a nossa missão foi cumprida", relata, mas admite que é raro em seu trabalho ver alguém que fuma crack se recupera. Durante o tratamento, a família também conta com uma assistência nesses centros, além do apoio psicológico.

Recuperação
O caso mais recente para o agente foi o do ex-usuário Caio Oliveira Santiago, 22 anos. Ele começou a usar maconha aos 16 anos e depois passou a misturar crack. "Depois de um ano eu só fumava crack e, para não parar o consumo, comecei a roubar dentro de casa", revela Caio.

Caio, que já foi preso por assalto, resolveu buscar ajuda por não agüentar ver mais o sofrimento da família. "Quando assaltei, foi para comprar crack. Minha família tentou me internar nove vezes, mas não adiantava, porque eu não via que tinha um problema. Agora é diferente, eu quero ter uma vida normal, eu tenho um filho de três anos e nunca fui pai. Quero voltar a ser pai, filho, neto, amigo, igual a todo mundo", afirma.

Para ele, o acompanhamento dos centros e a ajuda dos agentes têm sido fundamentais. "Compartilhar os problemas, ter alguém querendo te ajudar e, principalmente, você querer ajuda, são os passos fundamentais para quem quer largar a droga", ressalta Caio

SEGURANÇA - Narcodenúncia amplia em 25% apreensões de crack no Paraná

O número de apreensões de pedras de crack registrou um aumento de 25% em todo o Paraná. De acordo com os números registrados pelo Narcodenúncia 181, que engloba apreensões feitas pelas polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária Estadual e Federal, do início deste ano até agora, 657.801 pedras foram apreendidas. Já no mesmo período de 2007, foram registradas apreensões de 491.266 pedras da droga. Ainda em 2006, entre os meses de janeiro a maio, 280.327 pedras de crack foram apreendidas no Estado.


Para o coordenador do Narcodenúncia 181, coronel Jorge Costa Filho, além do maior esforço no trabalho das polícias, o aumento no número de apreensões do crack se deve à escolha da droga pelos traficantes e usuários. “Podemos dizer que o crack é a droga do momento entre os traficantes e usuários. Mas o Paraná vem dando um grande exemplo para o Brasil no combate ao tráfico de drogas. A unificação das polícias neste trabalho tem sido muito bem sucedida”, destacou.

LUCRO - Ainda segundo a polícia, o crack apresenta um valor muito baixo se comparada a outras drogas e por isso se tornou tão popular entre os usuários. “Temos ainda a questão do lucro com a venda. O crack proporciona ao traficante um lucro muito bom e por isso a pedra é oferecida com maior freqüência” contou o delegado do Departamento de Narcóticos do Paraná (Denarc), Rodrigo Brown de Oliveira.

Em 2008, a região Oeste foi a que registrou o maior número de apreensões de crack no Estado. Até agora, foram apreendidas 274.178 pedras. A região Norte registra o segundo maior número de apreensões dessa droga, com 148.446 pedras apreendidas. Em Curitiba, Região Metropolitana e Litoral já foram apreendidas 81.117 pedras de crack, ocupando a quarta colocação entre as regiões que mais apreenderam este tipo de droga.

APREENSÃO - Mas a polícia explica que o grande número de apreensões não significa que a população paranaense seria a principal consumidora da droga. “O Estado do Paraná é um corredor de drogas, que vem principalmente do Paraguai, país que faz divisa com Foz do Iguaçu, no Oeste do Estado. Esta quantidade de crack apreendido não significa que a população paranaense seria a principal consumidora desta droga, pois a polícia consegue interferir para que a droga não chegue até seu destino final”, comentou o Coronel Jorge Costa Filho.

Ele informou ainda que é muito importante que a população continue ajudando a polícia por meio do Narcodenúncia 181, a combater o tráfico de drogas no Estado. “O Paraná é hoje o único estado que mostra a visão real do problema para a população. À medida que a população participar ainda mais dessa unificação com a polícia, o número de apreensões deverá aumentar ainda mais. Cada apreensão realizada representa crimes que deixam de ser cometidos e novos jovens que deixam de ser contagiados pelo tráfico de drogas”, completou Costa.

Como é o uso

O usuário queima a pedra de crack em cachimbo e aspira a fumaça. O crack também é misturado a cigarros de maconha, chamados de piticos.

O efeito

O crack chega ao cérebro em oito a 12 segundos e provoca intensa euforia e autoconfiança. Essa sensação persiste por cinco a 10 minutos. Para comparar: ao ser cheirada, a cocaína em pó leva de 10 a 15 minutos para começar a fazer efeito.

A dependência.

A fumaça do crack atinge rapidamente o pulmão, entra na corrente sanguínea e chega ao cérebro. É a forma de uso, não a composição, que torna a pedra mais potente.

Maconha é porta de entrada

A droga também pode provocar delírios, alucinações e dependência

Se é temerário afirmar que todo usuário de maconha se tornará dependente de crack, é quase certo que o usuário de crack experimentou maconha antes. Estudo do Serviço Nacional de Orientações e Informações sobre a Prevenção ao Uso Indevido de Drogas (Vivavoz) indica que metade dos usuários de maconha atendidos costuma utilizar drogas mais pesadas.

Em um universo de mil pessoas que ligaram de todo o país e se declararam usuários de maconha entre janeiro de 2006 e setembro de 2007, cerca de 500 relataram o consumo de cocaína e crack.

— Quem usa maconha tem mais chance de usar cocaína e crack, é um fator de risco. Como os piores efeitos da maconha só são percebidos a longo prazo, as pessoas acham que não dá nada e começam a usar substâncias mais pesadas — observa a psicofarmacologista Helena M. T. Barros, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e coordenadora do Vivavoz.

A maior parte dos usuários pesquisados tem entre 25 e 30 anos, mas começou a usar a droga na adolescência. Além de delírios, alucinações e dependência, a maconha pode provocar outras doenças comumente associadas ao uso do cigarro, como bronquite, asma, enfisema, faringite e até câncer.

Que o crack é altamente viciante não é segredo. O dado surpreendente é que a imensa maioria dos homicídios na capital paranaense está ligada a essa droga. Segundo Almeri Kochinski, delegado adjunto da divisão de policia especializada, o uso e o tráfico de drogas estão ligados a homicídio, furtos, espancamentos e assaltos. E o maior vilão, como desencadeador de violência, é o crack. "Viciados em crack estão envolvidos em 80% a 90% dos homicídios ocorridos na grande Curitiba", afirma.

Para o delegado, de todas as drogas, essa é a mais vinculada à violência e com maior poder viciante. "Portanto, para sustentar o vício e satisfazer a incontrolável necessidade da droga, os usuários adotam qualquer método que lhes renda dinheiro para comprar crack", afirma.

Embora se perceba nos últimos anos alguma mudança no perfil do usuário, o delegado relata que o crack continua sendo a droga mais difundida entre classes baixas, devido ao preço. "Nas classes mais favorecidas é mais comum vermos usuários de cocaína, LSD e ecstasy".

"Se o diabo inventou um inferno na terra, esse inferno é o crack"

Considerada a pior das drogas, pedra tem feito um número cada vez maior de vítimas

Toda vez que um viciado em crack acende seu cachimbo assina uma nova sentença de morte. Com o poder de escravizar às primeiras tragadas, a pedra à base de cocaína arrasta o usuário à sarjeta em pouquíssimo tempo. A droga, que avança como uma praga pelo território gaúcho, faz mais vítimas do que qualquer outra porque afunda o dependente numa degradação física e psicológica que o empurra ao crime para saciar o vício devastador.

A estimativa oficial é de que haja 50 mil usuários de crack no Rio Grande do Sul. O dado é alarmante, mas a realidade pode ser ainda pior, uma vez que a estatística se baseia em pessoas que procuram ajuda em centros de reabilitação, o que exclui uma imensa parcela que convive com a droga e o tráfico diariamente.

O estrago social provocado pelo crack tem impacto nítido em Caxias, a começar pela violência. Desde que a droga aportou na cidade, há duas décadas, os índices de criminalidade só aumentaram. Até março deste ano, a droga já motivou 51% dos 31 assassinatos.

— Na fissura por mais droga, muitos usuários se envolvem em assaltos, furtos, se endividam com traficantes. Terminam pagando com a própria morte — diz o delegado Marcelo Grolli, do 3º Distrito Policial (3º DP) de Caxias.

O crack, assim denominado porque a pedra emite pequenos estalos quando queimada, leva fama de ser uma droga barata desde que seu consumo explodiu nas periferias brasileiras, nos anos 1990. Mas o baixo custo da pedra, em torno de R$ 5, é uma ilusão. Da mesma maneira que não se tem notícia de alguém que tenha experimentado crack uma única vez, um dependente não se satisfaz com uma pedra. Na fissura, o usuário fuma 20, 30 pedras ao dia. Para custear vício, primeiro se desfaz do que tem, depois parte para o crime.

No Estado, as apreensões de crack se multiplicam a cada ano, um indício claro de que mais gente está consumindo e precisa de dinheiro para tal. Entre janeiro e março, a Brigada Militar (BM) de Caxias realizou 52 operações de combate ao tráfico e apreendeu 697 pedras (264,14 gramas), quase o dobro das 378 (326,47) recolhidas no mesmo período do ano passado. Em 2008, 10.293 pedras (2,6 quilos) foram apreendidas.

A polícia calcula que, em Caxias, haja pelo menos 160 pontos de venda de crack e outras drogas, como maconha e cocaína, ainda mais consumidas do que o crack. Ano passado, a Polícia Civil responsabilizou 126 pessoas por tráfico. De janeiro a março de 2009, 36 pessoas já foram indiciadas. Nos pontos de venda, traficantes costumam aceitar de tudo dos viciados em desespero, de laptops a bonecas.

— É comum encontrar todo tipo de material nos pontos de tráfico. Qualquer coisa serve como moeda de troca – revela o tenente-coronel Júlio César Marobin, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), de Caxias.

— Num Natal, meu filho conseguiu trocar por crack até o peru da nossa ceia. Toda noite eu tinha que colocar o botijão de gás no meu quarto senão meu filho vendia por pedra – conta a caxiense Everly de Jesus Rodrigues, 45 anos, mãe de um garoto de 18 anos morto a tiros em consequência do vício, mês passado.

O drama que o crack leva para dentro das famílias não aparece nas estatísticas policiais, mas é gravíssimo. Nos últimos tempos, casos de mães que acorrentam seus filhos na tentativa de conter o vício têm aparecido com frequência na imprensa. Entretanto, a maioria das famílias silencia, por medo ou vergonha, enquanto dinheiro e objetos são levados de casa.

— O usuário não se penaliza com barbaridades que comete, com parentes ou desconhecidos, porque o crack anestesia o afeto — diz Maria Virgínia Agustini, coordenadora da política de saúde mental da Secretaria Municipal da Saúde.

A lotação de instituições de reabilitação e ambulatórios de desintoxicação é uma demonstração dessa epidemia que atinge centenas de lares gaúchos, ricos e pobres. Só em Caxias, 514 pessoas em atendimento, sendo que 90% são dependentes de crack.

— Se o diabo inventou um inferno na terra, esse inferno é o crack — ressalta Roberto Faleiro, coordenador da Casa de Passagem São Francisco.

Do total de usuários em tratamento, 35% abandonarão tudo no meio do caminho. Entre os que concluírem o processo, 90% vão recair na pedra.

— O crack provoca muitas sequelas no organismo e é difícil conseguir algum resultado de longo prazo — revela o psiquiatra Celso Luís Cattani, especialista em dependência química.

Quando o assunto é crack, não há motivos para otimismo.


Mãe relata a dor de ter perdido o filho para o vício do crack

"Hoje vivo um dia após o outro" diz Flávia Costa Hahn após a tragédia que se abateu sobre sua família

Duas horas e meia após depor à Delegacia de Homicídios e Desaparecidos, a representante comercial Flávia Costa Hahn, 60 anos, recebeu Zero Hora e Diário Gaúcho para falar sobre a tragédia que se abateu sobre sua família desde o domingo de Páscoa, quando empunhou o revólver que matou o único filho, Tobias Lee Manfred Hahn, viciado em crack.

Sentada na sala de sua casa de três pavimentos com piscina na região conhecida como Sétimo Céu, no bairro Tristeza, em Porto Alegre, ela relembrou durante uma hora momentos dramáticos da sua trajetória como mãe, com a ressalva de que não falaria sobre o dia da morte de Tobias.

Veja em gráfico os efeitos do crack no organismo

– Foi um acidente – repetiu, garantindo que foi ela a autora do tiro disparado de um revólver do marido Manfred Oto Hugo Hahn, 75 anos.

A seguir, trechos do desabafo de Flávia:

O FILHO SONHADO

“Fui mãe aos 34 anos. Um filho desejado. Estávamos nos Estados Unidos e nunca tivemos casa própria. Vivíamos como ciganos de um país para o outro. No dia que eu engravidei, a gente decidiu fazer essa casa para o nosso filho. Nasceu aqui, mas logo fomos morar na Venezuela. Eu ficava com ele, não trabalhava. Era um menino espoleta, bagunceiro, hiperativo. Ficou lá até aos nove anos, quando voltamos para o Brasil.”

A MACONHA NO COLÉGIO

“Quando a gente voltou, logo consegui trabalho. Acho que foi ali o meu erro. Pensando que ele estaria bem no colégio, tinha uma pessoa muito boa (uma empregada) cuidando dele. À noite e nos finais de semana, eu estava sempre em casa. Pensei que isso seria suficiente, mas não foi para o Tobias. Ele saía com os amiguinhos, começou com a maconhazinha no colégio. Acho que não fui enérgica o suficiente.”

A SUPERPROTEÇÃO

“Filho único. Ele sempre me dominou. Tinha um jeitinho de pedir as coisas que eu não podia negar. Quando não estava no crack, era muito carinhoso. Era a mãezona dele. Às vezes, eu brigava com meu marido, que era mais enérgico, para defender ele. Foi muito mimado por mim. Acho que foi esse meu defeito.”

O INÍCIO DO PESADELO

“O Tobias usava droga desde os 14 anos. Da maconha, passou para a cocaína. Em 2002, ele se meteu com uma gangue e teve problemas com a polícia. Mas mantinha o vício assaltando, roubando. E eu, como mãe, nem sabia. A gente é sempre a última a saber. Então eu consegui um trabalho em Brasília e fui para lá. O meu marido ficou aqui, desesperado, não aguentou a situação. O Tobias batia no meu marido, maltratava a pessoa que cuidava do meu marido. Então, levei ele para Brasília.”

AS NAMORADAS E A PASSARELA

“Brasília foi um santo remédio. Ele deixou a cocaína, ficou na maconha. Ele teria de ter amigos e não tinha. Passou três meses suando no apartamento. Não sabia que a falta de cocaína dava essa suadeira nele. Conseguiu outros amigos, uma namorada. Fez curso de modelo, cuidava da pele, fazia musculação. Fiquei um ano e meio em Brasília. Ele ganhou dinheiro desfilando, as gurias correndo atrás dele. Era loirinho e chamava a atenção. Depois fui para o Rio. Continuou com a maconha, mas nunca me pediu dinheiro além da mesada de R$ 300. Ele ia à praia, fez curso de guia de turismo e trabalhava como modelo. Até a Xuxa chamou ele para entrevista.”

O
RETORNO E O CRACK NA PORTA DE CASA

“O inferno começou em 2006. Voltei para minha casa para ser representante da empresa em que trabalhava. Fiquei aqui, viajando pelo Estado e por Santa Catarina, e ele reencontrou antigos amigos e começou a usar crack direto. Aqui é muito fácil. Vivemos em uma zona residencial classe A, mas se caminha 200 metros e tem uma vila com três traficantes e do outro lado tem um beco com um monte de traficantes. O crack é muito barato. Qualquer um tem R$ 5 para comprar.”

AS INTERNAÇÕES

“Ele não aceitava. A primeira foi pelo meu plano de saúde. Chamei uma ambulância e, enquanto ele dormia, vieram aqui, o pegaram e levaram. Ficou 30 dias na Clínica São José. Saiu de lá bem, tomando remédio, um antidepressivo e um remédio que bloqueia o cérebro e não dá vontade de usar drogas. No momento em que parou com o remédio, voltou para a droga. Internei ele seis vezes. Meu plano de saúde pagava só uma vez por ano e até 15 dias. Era muito caro, R$ 400 por dia. Quando eu não tinha dinheiro, pedia via ordem judicial. Dizia ao oficial de Justiça a hora em que o Tobias estava em casa dormindo e que tinha de vir com a Brigada. Eles chegavam aqui, pé por pé, eu abria a porta, acordava ele, e ele ia para o PAM 3, na Vila Cruzeiro do Sul, aguardando vaga em um hospital em SUS.”

AS ROUPAS QUE VIRAM DROGA

“Em 2007, comprei uma moto nova (Honda 125 cilindradas) para ele, e ele começou a trabalhar como motoboy. Eu viajava muito naquele tempo e não conseguia controlar ele. Depois, ele disse que roubaram a moto. Trabalhou no Clube Jangadeiros, lixando barcos, gostava muito. Consumia tudo que ganhava. Nunca comprou uma peça de roupa para ele. Tudo eu dava. No ano passado, consegui um emprego em uma grande transportadora em Manaus. Comprei a passagem aérea para ele fazer entrevista. O voo saía as 2h, mas ele sumiu. Me deixou com a mala e a roupa nova comprada. Perdi a passagem. Depois, ele vendeu a roupa. Era uma coisa a mais que ele tinha para vender para consumir drogas.”

MÃE VIRA BANCO 24 HORAS

“Quando surtava, ele me batia. Me bateu várias vezes. Às vezes, ele dava tapas no meu rosto e a cabeça voava. Ficava toda machucada. No Natal passado, ele queria dinheiro, eu não tinha, e ele me tirou a soco de casa até o bar do seu Adão, que é meu amigo, aqui perto, para pedir R$ 20. Estava fechado. Ele me empurrou a soco, escadaria acima, até a casa do seu Adão. Eu caía, levantava, ele me empurrava para ir mais rápido. Não tinha ninguém. Tive de voltar em casa, pegar o cartão de crédito e ir no banco sacar dinheiro. Eu era o banco 24 horas dele.”

TROCO ESCONDIDO EM CASA

“Nos dias 30 e nos dias 6 ou 8 , quando meu marido e eu recebíamos, ele infernizava a minha vida. Pedia dinheiro, três, quatro vezes por dia. Eu já deixava escondido. Trocava uns R$ 200 por notas de R$ 5, R$ 10, R$ 20. E quando ele incomodava muito, dava R$ 5. Aí, ele ficava mais uma hora pedindo, a noite toda. Dava dinheiro para ele não roubar outras pessoas. Pela violência dele, podia cometer um crime. Eu tinha de caminhar uns 20 minutos (2,3 quilômetros) até um caixa 24 horas buscar dinheiro. Isso à noite, de madrugada. Ultimamente, eu ia dormir na casa de uma amiga. Meu carro (um Gol) está parado há um ano. Não quis arrumar. Ele vendeu a bateria e o estepe, a chave de roda, e deixei assim.”

ACESSO PROIBIDO AO FILHO

“Primeiro foram as roupas dele. Depois, o meu guarda-roupas. Os meus casacos de pele, meus sapatos. Um dia entrei lá e não tinha mais nada. Depois acabou com a roupa de cama, tapetes. Coisa de valor, ele empenhava com os traficantes por R$ 50. Eu dava o dinheiro e mandava ele buscar. Deixava a casa toda chaveada. Só deixava acesso à cozinha e ao quarto dele. Ultimamente, ele só ameaçava colocar fogo na casa. Tinha medo dele.”

A FAMÍLIA DEPENDENTE

“O crack mantém a gente refém dele. Os familiares, as mães, os pais, pensam 24 horas no crack. A gente também é viciado nela. É uma maldição. Tu pensa: daqui a pouco vou ter de dar dinheiro para o crack. É incrível. A gente fica pensando quando isso vai acabar. De cada mil pessoas, acho que uma pessoa se livra do crack. Nunca perdi a esperança que ele sairia das drogas.”

AS AMEAÇAS E O TIRO

“Nunca pensei que pudesse ter uma atitude radical com o Tobias. Só peguei aquele revólver para assustá-lo. Foi um tiro só. Um acidente. Não direcionei a arma, não apontaria para o rosto dele. Ele passou correndo por mim, estava desnorteado. Tentou me explodir com gás dentro da cozinha, foi dramático. Estou na mão de Deus e da Justiça. A coisa mais preciosa que eu tinha, já perdi. Tudo que vier, vou receber como tem de ser.”

O TRATAMENTO NA PRISÃO

“Me trataram muito bem no presídio (Penitenciária Feminina Madre Pelletier). Menos as detentas.
Diziam: ‘a assassina do filhinho? Não a queremos na cela’. Me colocaram em uma solitária, e elas (agentes) me disseram: ‘não se preocupe, a gente está com a senhora’. Me deram café da manhã, almoço. Cheguei lá na madrugada e fiquei até as duas da tarde.”

O ANIVERSÁRIO E O CEMITÉRIO

“A vida parece que parou. O centro das minhas atenções era meu filho. Por mais que me usava para comprar droga, eu estava sempre perto dele. A vida está vazia. Domingo passado era aniversário dele. Fomos ao cemitério, levei flores e rezei por ele. Vou a uma igreja espírita. O pior momento dessa tragédia foi ver o meu filho sem vida. Hoje vivo um dia após o outro.”

UM RECADO ÀS MÃES

“É preciso procurar toda a ajuda, como eu fazia. O crack é tão forte que, quando a pessoa consome muito, bloqueia todo o sistema nervoso. Então, a pessoa não é mais ela. Não se pode desistir nunca. Não tive sorte de salvar meu filho, mas pode ser que outras tenham. Na infância, acho que a mãe deve deixar de trabalhar e se dedicar absolutamente às famílias.”


O DIA DA MORTE
A rotina trágica da família em 12 de abril, um domingo de Páscoa:
5h – Tobias obriga a mãe a ir com ele até um banco 24h para sacar dinheiro. Após pegar R$ 20, sai para comprar crack.
8h – O jovem retorna e faz a mãe sair outra vez para retirar mais dinheiro.
14h – O jovem volta à residência e discute com os pais, pedindo mais dinheiro. Ameaça atear fogo à casa, quebra louças e empurra a mãe, que cai em cima de cacos e corta o braço direito.
17h – Desesperada, Flavia vai até o quarto e pega o revólver calibre 44 do marido. Segundo ela, a arma dispara acidentalmente contra o pescoço de Tobias, que morre na hora.

Drogas
Confissões de quem
saiu do inferno

O crack, antes usado apenas por marginais e menores
de rua, agora chega à classe média. Depoimentos
dramáticos dos que conseguiram abandonar o vício

Ao chegar ao Brasil

No começo dos anos 90, o crack se tornou um flagelo entre marginais, mendigos e menores de rua. São esses os personagens que aparecem deitados nas calçadas, como molambos, nas cracolândias que floresceram em áreas degradadas das grandes cidades. Como custa pouco, menos de 5 reais a dose, a droga disseminou-se entre os desvalidos. Agora, a sedução perversa do crack começa a fazer vítimas também na classe média. O consumo do crack entre a população mais abastada ainda não transparece nas pesquisas dos órgãos de saúde porque, na tabulação dos dados, ele está quase sempre na mesma classificação da cocaína, da qual é uma versão inferior e mais tóxica. Mas, na avaliação dos médicos que cuidam dos viciados em drogas nos hospitais e clínicas de recuperação, tanto públicas quanto particulares, não há dúvida de que o crack subiu degraus na escala social. O contingente de pessoas que usam crack no país ainda é bem menor do que aquele que usa maconha ou cocaína. Mas as pequenas pedras brancas têm um efeito tão devastador, e viciam tão rapidamente, que em muitas instituições já respondem pela maioria das internações de pacientes.

"O crack está por trás de 80% das nossas internações", diz o psiquiatra Marcelo Machado, do centro Recanto Paz, em Pernambuco, onde o tratamento de seis meses custa 8 000 reais. "Estudantes de faculdades particulares, advogados, publicitários e até médicos são as novas vítimas dessa substância", afirma o médico Luiz Alberto Chaves de Oliveira, presidente do Conselho de Drogas e Álcool de São Paulo e diretor da clínica Vitória, em Embu, na Grande São Paulo, que cobra em média 9.000 reais por mês por uma internação. A seção gaúcha da Organização Amor-Exigente, uma rede de 500 grupos espalhados pelo país que dá apoio a famílias de dependentes, contabiliza que, em 2003, o crack representava 25% dos pedidos de ajuda entre álcool, cocaína e maconha. Hoje, ele está por trás de 73% dos chamados. No Centro Terapêutico Viva, um dos maiores do interior de São Paulo, localizado em Piedade (14.000 reais por quatro meses de tratamento), os pacientes devastados pelo crack chegam a 95% dos internos.

O crack é a cocaína em forma de pedra, feita para fumar em cachimbos. Os traficantes misturam a droga com outras substâncias, como o bicarbonato de sódio. "Para aumentarem o volume, adicionam também cal e anestésicos como a lidocaína", informa o delegado Luiz Carlos Magno, do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) de São Paulo. A mistura é fervida e depois filtrada, transformando-se em pequenas pedras brancas do tamanho de uma pipoca. Quando queimada num cachimbo, a pedra emite pequenos estalos – daí o nome "crack". Ao ser fumada, a droga atinge os pulmões e entra na corrente sanguínea instantaneamente, chegando ao cérebro em poucos segundos – ao contrário da cocaína em pó, que leva cerca de dez minutos para fazer o trajeto. O efeito também é muito mais forte. O crack bloqueia a absorção natural da dopamina, o neurotransmissor que dispara no cérebro a sensação de prazer. Com excesso da substância entre os neurônios, surge uma sensação imensa de euforia e onipotência. Quando o efeito passa, vem a depressão – e, com o uso freqüente, as reações paranóicas. Como a dopamina é o principal regulador do sistema de prazer e recompensa, o crack vicia rapidamente.

Para quem tem dinheiro no bolso, o crack é ainda mais perigoso. São comuns os casos de viciados que pagam a droga com bens roubados da família ou forçam os pais a pagar suas dívidas com os traficantes alegando que correm risco de vida. Muitas vezes, quando as fontes que financiam a droga secam, o viciado recorre a outras práticas ilícitas. "Eu, que sempre estudei em colégios particulares, de repente me vi assaltando com uma faca na mão para comprar pedras", diz o estudante de marketing L., 21 anos, de Fortaleza, livre do vício há um ano e dois meses. "O mais impressionante é que, ao assaltar, não pensava estar fazendo algo errado. Lutar para conseguir pedras parecia tão natural e correto como procurar comida para saciar a fome", ele completa.

Sob o domínio do crack, muitos viciados se isolam e viram – mesmo que temporariamente – indigentes. Ao contrário do que ocorre com a maconha ou a cocaína, o crack torna impossível manter relações com o círculo de amigos, no trabalho ou em casa. A degradação se dá em poucas semanas. Primeiro, o viciado emagrece rápido, já que a cocaína inibe o apetite e provoca náuseas diante da comida. Depois, passa dias sem dormir e perde até mesmo a vontade de tomar banho. Esquece-se de que existem horários e regras. Como o crack age como anestésico, queimam-se a boca e o nariz ao fumar, sem que se perceba. "É comum que as mulheres dependentes se prostituam por qualquer valor só para comprar as pedras, contraindo doenças sexuais rapidamente", diz a médica Solange Nappo, professora de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que estudou as práticas de oitenta viciadas em crack de São Paulo. Um levantamento da Universidade Estadual de Campinas, feito no ano passado, mostrou que 7% dos usuários de crack têm o vírus HIV – índice dez vezes maior que o da população em geral. "É verdade que o crack é a droga preferida de mendigos e prostitutas, mas isso acontece também porque ele transforma estudantes e trabalhadores comuns em mendigos e prostitutas", afirma Solange.

À medida que o consumo de crack progride, chega a fase das reações paranóicas. O viciado acha que está sendo perseguido e tem pensamentos obsessivos – vem daí o apelido de "nóias" que esses dependentes carregam. Quando passou por isso, a estudante paulista de psicologia M., 31 anos, livre da droga há três, não conseguia manter as janelas de casa abertas. Diz ela: "Eu realmente achava que estavam me espionando pela janela ou pelas frestas da porta. Também ouvia sirenes da polícia e passava horas rastejando, procurando no chão e no meu carro algum resto de pedra que pensava ter derrubado". Com sentimentos psicóticos, os viciados se tornam mais desconfiados e se enfurecem com maior facilidade, protagonizando cenas de violência gratuita. Passada a depressão que se segue à paranóia, chega o melhor momento de largar o vício. "Quando me vi na favela, sem pedras e depois de ter vendido até os brinquedos do meu filho para comprar crack, saí correndo para a casa da minha mulher. Corri uns 10 quilômetros descalço, com bolhas no pé, e disse a ela que precisava de ajuda", conta F., corretor de imóveis de Belo Horizonte, que passou três anos consumindo a droga.

A dependência química é uma enfermidade reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. Ainda não há tratamentos ou remédios que impeçam que o dependente tenha recaídas. Nas clínicas, o viciado geralmente toma antidepressivos ou ansiolíticos e passa por sessões de auto-ajuda para que consiga escapar da "fissura", a vontade de voltar à droga. "Em média, apenas 30% dos dependentes de crack permanecem na abstinência por mais de um ano", calcula o psiquiatra André Malbergier, do Hospital das Clínicas de São Paulo. A internação, pelo menos, afasta o viciado dos pontos de compra de crack e alivia temporariamente o tormento constante pelo qual passam seus familiares. Nos centros de internação involuntária, como o paulista Viva, de Piedade, muitas vezes os dependentes chegam amarrados – último recurso usado pela família para conduzi-los ao tratamento. Como numa prisão, agentes de segurança vigiam portões e muros de 4 metros de altura.

Os jovens que conseguem sair do vício são os que percebem que estão muito doentes e têm de se tratar. "O viciado já dá um passo à frente quando sabe que precisa de ajuda", diz a médica Cláudia de Oliveira Soares, que lida com dependentes químicos há catorze anos. A força de vontade e o apoio familiar são essenciais quando o dependente volta para casa. Diz o dentista C., de São Paulo, livre da droga há três anos: "Durante oito ou nove meses, não passei um minuto sozinho. Percebi que precisava dos outros e ainda preciso. Um dia você decide se livrar do crack, mas permanece dependente a vida toda. O pesadelo do crack não tem fim".

Apagão ao volante

Egberto Nogueira

"A ficha caiu quando sofri um acidente de carro. Estava virada, sem dormir, fazia quatro dias. Peguei o carro para ir comprar crack, mas não andei nem 100 metros e sofri um apagão. Dormi ao volante. Fiquei cinqüenta dias com os dois braços enfaixados e o rosto cheio de feridas por causa dos estilhaços do vidro. Já havia sido internada algumas vezes, mas sempre soube que voltaria à droga. Fazia meus pais pagar minhas dívidas dizendo que, do contrário, seria morta pelos traficantes. Em troca, eu ficava um tempo na clínica de recuperação. De uma delas, fugi pulando o portão. Com o acidente, percebi que tinha de me livrar daquilo. Agora estudo, luto para recuperar a guarda dos meus filhos e quero montar um grupo de apoio só para mulheres dependentes. Elas precisam perder o medo de procurar ajuda."
M., 31 anos, estudante de psicologia de São Paulo, livre do crack desde 2005

O salário virou fumaça

Leo Caldas/Titular


"Ainda hoje tenho pesadelos nos quais estou fumando crack. Acordo assustado e com raiva de mim mesmo. Não quero passar por aquilo de novo. Na fase pior, gastava todo o meu salário com a droga. Eu, que sempre ganhei tudo do bom e do melhor de meus pais, cheguei a roubar as coisas de casa para fumar crack. Vendi até Tupperware em troca de pedras. Quando meu pai disse que não me queria mais em casa, decidi pedir ajuda. Fiquei mais de um ano numa clínica de recuperação. Nesse tempo, percebi que o meu maior vício não eram as drogas, e sim pensar só em mim. Para me livrar do crack, tive de virar outra pessoa. Hoje, penso que o meu crescimento pessoal só é relevante se eu ajudar os outros a crescer. Consegui, assim, voltar para a casa dos meus pais, para o meu trabalho e estou namorando firme. Aos poucos, reponho os aparelhos eletrônicos que tirei de casa."
Fabio Bakun Nóbrega de Albuquerque, representante comercial do Recife, 29 anos, em abstinência desde 2006

Choro e desespero

Egberto Nogueira


"O conjunto de som e DVD do meu carro valia 7 000 reais. Um dia, troquei-o por 300 reais de crack. Como minha família é de classe média alta, não precisei fazer dívidas quando me enterrei nessa droga, mas roubei CDs, filmadora, todos os eletrônicos de casa. Quando você está louco de crack, não se importa com nada disso. O que importava era sair correndo para comprar pedra. Até essa época, eu nunca tinha visto meu pai chorar. Uma noite, quando cheguei transtornado em casa, ele me chamou num canto e desabou no choro. Perguntava: ‘O que eu preciso fazer pra você parar com isso?’. Foi ali que decidi parar de usar crack. Tive de romper com todos os amigos que me levavam à droga e passei quase um ano inteiro indo à faculdade e voltando para casa sem olhar para os lados. Hoje, eu e meu pai, que também é dentista, trabalhamos juntos no mesmo consultório."
C., dentista de São Paulo, 25 anos, livre da droga há três

Sem droga e sem crédito

Egberto Nogueira

"Meu sonho sempre foi trabalhar na empresa do meu pai, uma metalúrgica no interior de São Paulo que ele fundou há quarenta anos. Mas, quando cursava a faculdade de administração, comecei a cheirar muita cocaína. Ao conhecer o crack, foi amor à primeira vista. Quando minha família começou a controlar meu dinheiro, evitando que eu comprasse mais cocaína, decidi partir para o crack. No início, tinha medo de ficar como os mendigos que aparecem na televisão. Misturava crack com maconha pensando que assim o cigarro ficaria mais fraco. Um mês depois, já estava na droga pura. Como meu pai tinha crédito na cidade e todos me conheciam, conseguia dinheiro com facilidade. Quando perdi o crédito, me bateu um desespero e aceitei ser internado. Desde então, venho tentando largar a droga, mas com recaídas. A última foi há seis meses. Independentemente de quantos tombos a droga me deu, preciso me levantar e tentar de novo."
Thiago Pires de Camargo, administrador de empresas de Santa Bárbara d’Oeste (SP), 30 anos, longe do crack há seis meses