Profeta

quinta-feira, 11 de março de 2010

PRECONCEITOS E DESVALORIZAÇÃO DA CONDIÇÃO HUMANA


É de impressionar a capacidade que nossa caixinha mágica tem de expor pessoas ao ridículo, fustigar valores universais como crença e etnia, trazer à tona velhos preconceitos e provocar na audiência a adesão a um tipo de humor de desvalorização da condição humana. É o que vem acontecendo com o Big Brother Brasil, já em sua 9ª edição, ao manter confinado um número de pessoas que busca o prêmio maior de R$ 1 milhão e prêmios menores, que incluem uma casa, vários carros, dezenas de celulares, computadores etc., toda essa vitrine de dar água na boca de seus ávidos consumidores, que chegam embalados pelo marketing dos produtos que patrocinam o "programa".

A inovação desta edição (pode até ter começado na edição 2008) é a criação de castigos semanais a serem cumpridos por um ou mais dos participantes. É aqui que está o ponto. Em geral, o escolhido precisa vestir uma roupa especial por um período de tempo que pode chegar a 48 horas, é privado de algum conforto físico e recebe o comando de realizar uma tarefa a cada toque de uma sirene. O que se espera dos "escolhidos"? Ora, que fiquem irritadiços, cansados e prestes a ter um ataque de nervos. A carga negativa dos "castigados" se volve primeiro para quem os indicou e depois transborda para o grupo. Ou seja, o castigo abre margem para muita discórdia. O BBB é um programa que fatura (e muito) expondo as mazelas da condição humana e é alavancado pelo nível de discórdia que impeça um clima mínimo de civilidade e bom relacionamento social dentro da casa da Globo em Jacarepaguá.

Se fosse índio, me sentiria ofendido

Voltemos aos castigos. Estes são, na maioria das vezes, infames. Vejamos alguns deles:

Um casal deve se vestir de índios (obviamente índios norte-americanos, com modelos, plumas, colares e cores dificilmente encontráveis em qualquer nação indígena no Brasil) e são obrigados a fazer a dança da chuva cada vez que toca o sinal. A maneira como uma longeva tradição indígena é retratada é uma forma pouco sutil de ridicularizar os povos indígenas e passa a mensagem de quão ingênuos (para não dizermos outro adjetivo) estes são. Não é de hoje que a cultura indígena é objeto de escárnio da auto-proclamada civilização branca. Alguns exemplos? Quando alguém não tem o que fazer numa noite de 3ª ou 5ª feira o que diz que vai fazer? Um programa de índio. Algo muito desinteressante, sem graça que… somente poderia ser feito por um ou mais índios. Quando alguém fala um português sem dominar a gramática e sem muita noção do uso deste ou daquele vocábulo como o sujeito é referido? Ah, ele fala igual a um índio. Depois dessa exposição caricata e pejorativa para com os valores dos primeiros habitantes das Américas, ainda temos que conviver com a hipocrisia ensinada em muitas das nossas escolas que respeitamos nossos índios, valorizamos seus costumes, admiramos suas crenças. Entendo que o castigo imposto ao casal para dançar dezenas de vezes a dança da chuva, a caráter, é de um ridículo somente superado pelos castigos posteriormente apresentados no mesmo programa. Se fosse índio me sentiria bastante ofendido e entraria com uma representação na esfera do Judiciário. Provavelmente não daria em nada tal representação, mas ao menos vocalizaria minha dor, embora com muito menor visibilidade que aquela alcançada pelo programa apresentado por Pedro Bial e seus"heróis".

Triste do povo que precisa de heróis” (Bertold Brecht)

Existem heróis e heróis. Se existe algo que me irrita profundamente é o jeito sem cerimônias com que o mestre-de-cerimônia do Big Brother Brasil saúda aquela penca de jovens – mais um ou dois da terceira idade – confinados na casa montada pela TV Globo no Rio de Janeiro: “Boa noite, meus heróis!” De tanto usada, a frase virou bordão do BBB. Seu autor? O jornalista e dublê de guru do programa, Pedro Bial.

Ora, o que há de heroísmo em um programa que, longe de agregar conhecimento, é um poço de futilidades onde quanto mais se escava mais há para se escavar? 15 ou 16 pessoas vendendo sua intimidade, seus pensamentos e corpos, hábitos e sotaques, expondo-se ao ridículo em centenas de situações, muitas destas de gosto profundamente duvidoso, tudo em troca de prêmios avulsos ou do prêmio maior de R$ 1.000.000.00. Repito, o que há de heroísmo nisso? A ver os números do Ibope, o programa é quase uma coqueluche nacional. Revistas, jornais e sites dedicam ampla cobertura ao que ocorre dentro da casa. Cria-se um frenesi, arma-se uma curiosidade em larga escala, como se os destinos do povo brasileiro dependessem deste ou daquele que irá continuar ou sair da casa.

Os tropeções da História

Há poucos dias, uma participante foi escolhida para o tal castigo do monstro. A jovem deveria, vestida de galinha (isso mesmo, de galinha), chocar um ovo no jardim sempre que escutasse o som de pintinhos. Isso seria cumprido à risca por 48 horas. Como seria bom se a azarada selecionada para a performance pudesse dizer em alto e bom som: "Recuso-me a me vestir de galinha porque não sou galinha. Recuso-me a chocar ovos porque não sendo uma galinha não é inerente à minha condição humana. Peço que bolem outra tarefa menos ridicularizante de minha condição de mulher."

Um discurso desses dificilmente – se não, impossível – alguém iria ouvir da boca de uma jovem sequiosa para conquistar o seu sonhado R$ 1.000.000,00. Mas seria um discurso verdadeiro. O castigo traz consigo uma realidade que não quer calar em nosso país: somos machistas e não conseguimos fingir o contrário por muito tempo. Claro que poderia ter sido escolhido um homem para cumprir o castigo. Mas, digam-me, senhores leitores, sendo um homem aquele a escolher quem vai se expor ao ridículo por dois longos dias, será que lhe passaria pela cabeça optar por um homem? Os preconceitos contra as mulheres vêm de muito longe. Estão em textos sagrados: São Paulo advertia contra as mulheres. Santo Tomás de Aquino afirmava ser a mulher um ser "ocasional" e "acidental". No Livro de Provérbios (11:22), a mulher é redimida enquanto posse do homem: "A mulher virtuosa é a coroa de seu marido, mas a que procede vergonhosamente é como podridão de seus ossos." Encontram-se em textos dos filósofos: Eurípedes (485-406 a.C.) toma Hipólito como seu alter ego e argumenta, ardoroso, que "a mulher é um flagelo desmedido que posso provar; o pai que a gera e cria estabelece um dote a quem a leve, a quem o livre de tamanha praga!"; já Virgílio (70-19 a.C.) define a mulher como sendo sempre "coisa variável e mutável". Ninguém menos que o renomado Montaigne (1533-1592) insiste em deixar às mulheres os afazeres domésticos: "A ciência e ocupação mais útil e honrosa para uma mulher é o governo da casa." E depois ele escreveria que o papel da mulher seria o de "sofrer, obedecer, consentir." Enquanto a História avança, Voltaire (1674-1778) invocava um argumento pseudo-biológico para explicar a "inferioridade" da mulher: "o sangue delas é mais aquoso." Risível é a História. Mais risível ainda é nossa predisposição a realçar os tropeções da História. E isso o formato Big Brother Brasil vem fazendo à larga.

A humanidade assemelha-se a um pássaro

E contra estes cânones do pensamento universal não precisaríamos reforçar percepções tão incorretas e injustas sobre a mulher, seu potencial, seus infinitos talentos, sua certeira inteligência e sempre presente intuição – aliás, é corrente adjetivar a intuição como uma faculdade inerente à mulher. Será que Boninho, o diretor-geral do BBB9, e sua equipe, não poderiam se dar ao castigo (sim, me parece que a esses gênios da raça pesquisar a história seria um trabalho muito longe de algo reputado como prazeroso) de inventar outras formas de entreter o público, mantendo os polpudos patrocínios amealhados com um programa que reforça o que há de mais ridículo na natureza humana, qual seja, criar estereótipos depreciativos da condição humana e reforçar atitudes e comportamentos de rebaixamento da mulher ante o homem?

Nunca é tarde para aprendermos que a humanidade assemelha-se a um pássaro; uma asa é o homem e outra asa é a mulher. Um pássaro não pode alçar vôo sem o equilíbrio das duas asas.

O homem é punido pelo seu crime porque o Estado é mais forte que ele

“Não há direito de punir. Há apenas o poder de punir. O homem é punido pelo seu crime porque o Estado é mais forte que ele, a guerra, grande crime, não é punida porque se acima dum homem há os homens acima dos homens nada mais há”.

A punição é a emenda. É o efeito colateral de uma sociedade imperfeita, o arrancar do pulmão podre, que de podre não tinha nada até que as tragadas o atingissem. Porém, no social, diferentemente da emenda cirúrgica, a realidade nos traz para uma cicatrização que raramente acontece. O indivíduo que recebe o novo pulmão tem a plena capacidade de se reestabelecer em saúde, já o punido pelo Estado jamais terá a chance de sequer entrar na lista de receptores. Acusado, culpado, sujo e alvo do ódio humano, deverá apodrecer em cadeias imundas até que o citado Estado defina o momento exato de sua soltura. Sem chances, sem qualquer sombra de reparo, quiçá a compreensão exata do porquê. A punição é a emenda da fraqueza humana, que guiou comportamentos até o nível do intolerável e determinou a tortura como método de coagir aqueles que agissem de forma imprópria, tentando impedir que outros seguissem o mesmo caminho. Uma emenda podre, feita com mãos de açougueiro, que de nada adianta além de manter o culpado o mais longe possível da elite social.

Enxergamos com os olhos que a genética nos deu, mas interpretamos com a sobriedade, ou falta dela, que a sociedade nos forneceu. Conclusões, ideais, crenças, anseios, tudo parte do princípio básico do condicionamento. Não nascemos com o sonho de entrarmos na faculdade de Direito. Não nascemos com a ideia de que homossexuais são membros execráveis da sociedade pró-família. Não nascemos católicos ou espíritas. De onde vem tudo o que nos torna o que somos hoje? Escolhas? Sorte? Influência divina? Bem, se a última for uma opção, ele não estava lá tão ligando para os citados criminosos do último parágrafo.

A bandeira da escolha é a primeira a ser defendida pela maioria. É impossível sequer imaginar um mundo onde o ser humano não possuísse escolhas, onde tudo fosse uma grande ilusão. De fato concreto, temos apenas um. Somos o resultado de incontáveis pontos improváveis. Já dizia minha avó: “se eu tivesse morrido de tifo como os médicos disseram que eu morreria, nenhum de vocês estaria aqui” – E é a mais pura verdade. Somos o complexo resultado de infinitas situações casuais, que podem determinar qualquer situação em nossa vida, seja sair de casa 5 minutos atrasado e, por consequência, morrer por uma bala perdida, ou simplesmente termos uma séria conversa com nossos pais que determine por completo o desejo de entrar em uma certa faculdade. Cada micro-movimento humano dentro do universo pode desencadear proporções catastróficas ou simplesmente insignificantes. Não temos a capacidade de saber qual será esse movimento crucial, apenas deixar que a vida siga em frente, apoiando-nos na doce ilusão de que, no fim, somos nós que estamos tomando determinada decisão e não que essa decisão na verdade é o resultado de infinitas atenuantes que acompanharam nossa existência e talharam nosso caminho para que o tiro fosse dado.

Ah, o tiro, a ligação entre a incapacidade humana de escolher com total imparcialidade e o fato de jogarmos nossos criminosos em uma cela fétida. O tiro que matou Joana, que saiu cinco minutos atrasada para o trabalho e morreu no ponto de ônibus sem nem ter tempo de saber que ia morrer. E se ela estivesse dentro do horário? E se seu marido, João, não tivesse decidido que a noite anterior seria de uma grata surpresa sexual, motivo que acabou deixando Joana exausta o suficiente para perder os preciosos cinco minutos que a fizeram perder a vida? E se João não tivesse resolvido fazer essa surpresa graças a uma vitrine de sex shop que viu de relance enquanto almoçava? E se João não tivesse decidido almoçar nesse novo restaurante só porque o que ele estava acostumado a ir aumentou os preços? E se João e Joana nunca tivessem se conhecido naquela boate? E se ela não tivesse ido graças a uma amiga que lhe deu o convite VIP? Será que ela ainda estaria viva? Seria sua amiga, então, a causa da morte? Bem, aí entramos em todos os “e se” da vida dessa amiga até a entrega do convite.

E quanto ao assassino. Imaginando o caso mais atacado por aqueles que defendem o ideal de “o bandido fez uma escolha e deve pagar por isso”, peguemos por exemplo o playboy de classe alta que tem tudo nas mãos, mas mesmo assim desvia seu caminho para a marginalidade. E se ele não tivesse decidido dar aquele tiro enquanto assaltava um casal sorridente para poder comprar drogas? E se ele não tivesse conseguido a arma na noite anterior com um amigo de faculdade que também cheirava pó? E se ele jamais tivesse conhecido Pedro, que numa noite em uma boate (a mesma em que João e Joana se conheceram, só pra dar um clima de Lost) convenceu o amigo que experimentasse só uma vez? E se ele jamais tivesse ido a essa boate só para contrariar uma ex-namorada ciumenta que não largava do seu pé? E se ele não tivesse terminado o relacionamento por conta de uma outra mulher que entrou em sua vida? E se… Bem, e se, no final das contas, no meio de tantas situações que guiaram João, Joana e O Criminoso para tudo o que aconteceu, eles já tivessem morrido antes por conta de outro criminoso que também teria infinitos “e se” em sua vida?

Cada decisão, cada passo dado, cada pensamento é fruto de muito mais que uma simples escolha. A vida d’O Criminoso de nosso conto jamais poderia ser resumida somente ao último “e se ele não tivesse dado o tiro”. Essa foi apenas mais uma das infinitas escolhas condicionadas ao longo de sua existência. E mesmo que, por algum milagre, fôssemos capazes de dar-lhe uma segunda chance inconsciente, há a absoluta certeza de que o tiro seria dado novamente, pois não foi o dedo que apertou aquele gatilho, foi a bagagem de tudo o que ele viveu, assim como será a sua interpretação desse texto, ou apenas o seu próximo suspiro.

“Não há direito de punir. Há apenas o poder de punir” – o poder aparentemente necessário para que possamos continuar a viver em nossa sociedade imperfeita, guiada a base de remendos mal planejados, mal executados e sem resultados. Não descarte a chance de ser você um dia atrás das grades, pois o “e se” de amanhã, bem, esse nenhum de nós é capaz de prever.

terça-feira, 9 de março de 2010

Redução da maioridade penal!

O caso do menino João Hélio é uma das maiores polêmicas recentes do país. Acho que todos lembram, né? Há três anos, uma família foi assaltada em seu carro por alguns rapazes e na confusão que é tal situação – quem já foi assaltado, sabe do que falo – uma criança ficou presa no cinto de segurança. Os criminosos levaram o carro e arrastaram o menino pelo lado de fora por alguns quilômetros. Em resumo, uma morte realmente brutal e grotesca.

Isso ficou na mídia por muito tempo. No começo, era até uma questão relevante: como reagir em uma situação de crime tão estapafúrdia? A sociedade precisa dar uma resposta ao seu filhote patinho feio. Só que depois ficou chato pra caralho! Em tudo que era programa, não se falava de outra coisa. E, como bem sabemos, a discussão era filosófica, sociológica e jurídica sobre o crime, pensando em rumos para construirmos uma sociedade melhor a fim de nunca se repetir um caso desses, né? Aham, sei.

A questão é que João Hélio era um menino bonitinho. Tinha cabelo liso? Não sabe? Ah, devia ter, devia ter. Provavelmente com uma franjinha de cuia também. Pele ainda de bebê… Sem falar naquelas bochechas bem redondinhas! Dessas que dá vontade de apertar toda hora. Devia entrar cedo no colégio, depois de tomar o café rico em proteínas feito pela mãe – ou babá? -, com frutinhas, suco de marca e biscoitos gostosos – todos super nutritivos, garante a propaganda. Ou seja, tirar a vida de um ser tão angelical machuca nossos corações!

Até sou solidário à dor da família do menino. Sei como é perder alguém querido. Acontece que se neste momento morre algum moleque debaixo da ponte, se alguma bala perdida foi achada por algum peito no morro no meio da noite, se na marra sobrevive uma garota na África, com seus olhos fundos e barriga estufada de vento. Isso não nos cabe. Isso é indiferente, não é? Porque não adianta dizer que você discorda que o mundo seja assim e espernear apenas para punirem os assassinos do João Hélio, certo? Opa! Que foi? Eles já foram presos? Então por que cargas d’água ainda tocamos nesse assunto que a imprensa explorou até a última gota?! Ah, sim… Entre os assaltantes, havia um “de menor”. Então, escuto aquele berro da multidão, transformado em sussurro ao pé do meu ouvido: Redução da maioridade! Redução da maioridade! Redução da maioridade!


Antes, precisamos atentar: O que significa a maioridade? Trata-se do marco na vida jurídica do indivíduo, onde ele já pode ser responsabilizado por todos seus atos perante à lei em seus limites. Ou seja, a pessoa já será vista como célula de um organismo, sujeita ao diagnóstico do Direito, onde ela poderá ser culpada separadamente por suas ações. Ora! O problema é que o Direito por si só parte de um equívoco lógico: se vivemos em sociedade e não existe auto-criação como eu afirmei no meu último texto, se somos frutos de contextos que vivemos, como atomizar a responsabilidade em um indivíduo e não em vários ou na estrutura? Poderíamos mudar o que implica os delitos, mas focamos apenas na última instância, no efeito e não na causa. O fato é que o Direito não serve ao propósito da transformação, mas sim de consolidar o sistema tal qual ele é. Parte de um conceito utilitarista básico: não querer riscos. E, neste rabisco, eu lamento; não tem jeito, por mais que eu, a partir da análise sociológica, sempre compreenda as razões das ações, não ficarei inerte. Porque compreender não é perdoar e perdoar não é esquecer. S’eu fosse um judeu na Alemanha nazista, eu até poderia entender Hitler, mas jamais seria favorável – independente da moral, porque aquilo iria contra mim. Da mesma maneira, o Direito atende à necessidade de proteção da sociedade, mas atende a parcelas específicas da mesma. Afinal, as leis são resultados de conflitos de forças entre grupos, não retratam a justiça.

Esses dias, ouvi uma pergunta curiosa, intimamente ligada ao assassinato de João Hélio: “E se um jovem de 17 anos e 11 meses matar alguém, ele não sofre as consequências?”. Primeiramente devo dizer que ele sofre, ele será punido, só que em outro tipo de sistema prisional; específico para jovens. Eis que aparecem os argumentos. A torcida do lado da redução da maioridade diz que um indivíduo de 18 anos tem as mesmas condições biológicas que um de 17 anos e 11 meses. Caramba! Mas isso é evidente. Suas sinapses nervosas não fazem um bolo e mandam seu organismo apagar uma velinha que mudaria você repentinamente. O mundo não muda com a chegada do Ano novo! Estamos falando de convenções e, assim como qualquer outra, esta é passível de questionamento, uma vez que parte de uma arbitrariedade. Porque poderíamos reduzir a maioridade pra 16. Mas por que 16? É que com 16 já se tem noção do que é proibido e do que não, né? Mas até uma criança de 8 anos já sabe isso. Vamos reduzir para essa idade, então? Ou melhor, podemos permitir que, aos 12 anos, já se possa ver filme com alto teor erótico? E por que não reduzir a idade para um ato sexual entre um maior e um menor? Que tal 14 anos, hein? As meninas já sabem o que é sexo e já têm o corpo desenvolvido, não?

A redução da maioridade é o carro-chefe porque é a discussão pautada pela mídia. Não é teoria da conspiração, acontece que algumas vertentes filosóficas são absurdamente presentes em nossas vidas e nós sequer percebemos. Tal proposta parte de uma perspectiva conservadora que não objetiva mudar as causas, mas retirar as células doentes desse corpo. É isentar as estruturas sociais que levam aos conflitos. Jamais entra em discussão que o sistema prisional apenas tira a liberdade da pessoa e tenta readaptá-la à sua condição social, tapando os olhos da justiça para o fato de que se a realidade do preso for a mesma quando ele sair, é muito grande a chance dele voltar para o crime – e não é ensinando a fazer crochê dentro da cela que a situação vai ser resolvida. Se pudessem, pela conveniência, pediriam pena de morte. Pouco se importam com aqueles que tiveram o veredicto da pena de vida.