Profeta

terça-feira, 9 de março de 2010

Redução da maioridade penal!

O caso do menino João Hélio é uma das maiores polêmicas recentes do país. Acho que todos lembram, né? Há três anos, uma família foi assaltada em seu carro por alguns rapazes e na confusão que é tal situação – quem já foi assaltado, sabe do que falo – uma criança ficou presa no cinto de segurança. Os criminosos levaram o carro e arrastaram o menino pelo lado de fora por alguns quilômetros. Em resumo, uma morte realmente brutal e grotesca.

Isso ficou na mídia por muito tempo. No começo, era até uma questão relevante: como reagir em uma situação de crime tão estapafúrdia? A sociedade precisa dar uma resposta ao seu filhote patinho feio. Só que depois ficou chato pra caralho! Em tudo que era programa, não se falava de outra coisa. E, como bem sabemos, a discussão era filosófica, sociológica e jurídica sobre o crime, pensando em rumos para construirmos uma sociedade melhor a fim de nunca se repetir um caso desses, né? Aham, sei.

A questão é que João Hélio era um menino bonitinho. Tinha cabelo liso? Não sabe? Ah, devia ter, devia ter. Provavelmente com uma franjinha de cuia também. Pele ainda de bebê… Sem falar naquelas bochechas bem redondinhas! Dessas que dá vontade de apertar toda hora. Devia entrar cedo no colégio, depois de tomar o café rico em proteínas feito pela mãe – ou babá? -, com frutinhas, suco de marca e biscoitos gostosos – todos super nutritivos, garante a propaganda. Ou seja, tirar a vida de um ser tão angelical machuca nossos corações!

Até sou solidário à dor da família do menino. Sei como é perder alguém querido. Acontece que se neste momento morre algum moleque debaixo da ponte, se alguma bala perdida foi achada por algum peito no morro no meio da noite, se na marra sobrevive uma garota na África, com seus olhos fundos e barriga estufada de vento. Isso não nos cabe. Isso é indiferente, não é? Porque não adianta dizer que você discorda que o mundo seja assim e espernear apenas para punirem os assassinos do João Hélio, certo? Opa! Que foi? Eles já foram presos? Então por que cargas d’água ainda tocamos nesse assunto que a imprensa explorou até a última gota?! Ah, sim… Entre os assaltantes, havia um “de menor”. Então, escuto aquele berro da multidão, transformado em sussurro ao pé do meu ouvido: Redução da maioridade! Redução da maioridade! Redução da maioridade!


Antes, precisamos atentar: O que significa a maioridade? Trata-se do marco na vida jurídica do indivíduo, onde ele já pode ser responsabilizado por todos seus atos perante à lei em seus limites. Ou seja, a pessoa já será vista como célula de um organismo, sujeita ao diagnóstico do Direito, onde ela poderá ser culpada separadamente por suas ações. Ora! O problema é que o Direito por si só parte de um equívoco lógico: se vivemos em sociedade e não existe auto-criação como eu afirmei no meu último texto, se somos frutos de contextos que vivemos, como atomizar a responsabilidade em um indivíduo e não em vários ou na estrutura? Poderíamos mudar o que implica os delitos, mas focamos apenas na última instância, no efeito e não na causa. O fato é que o Direito não serve ao propósito da transformação, mas sim de consolidar o sistema tal qual ele é. Parte de um conceito utilitarista básico: não querer riscos. E, neste rabisco, eu lamento; não tem jeito, por mais que eu, a partir da análise sociológica, sempre compreenda as razões das ações, não ficarei inerte. Porque compreender não é perdoar e perdoar não é esquecer. S’eu fosse um judeu na Alemanha nazista, eu até poderia entender Hitler, mas jamais seria favorável – independente da moral, porque aquilo iria contra mim. Da mesma maneira, o Direito atende à necessidade de proteção da sociedade, mas atende a parcelas específicas da mesma. Afinal, as leis são resultados de conflitos de forças entre grupos, não retratam a justiça.

Esses dias, ouvi uma pergunta curiosa, intimamente ligada ao assassinato de João Hélio: “E se um jovem de 17 anos e 11 meses matar alguém, ele não sofre as consequências?”. Primeiramente devo dizer que ele sofre, ele será punido, só que em outro tipo de sistema prisional; específico para jovens. Eis que aparecem os argumentos. A torcida do lado da redução da maioridade diz que um indivíduo de 18 anos tem as mesmas condições biológicas que um de 17 anos e 11 meses. Caramba! Mas isso é evidente. Suas sinapses nervosas não fazem um bolo e mandam seu organismo apagar uma velinha que mudaria você repentinamente. O mundo não muda com a chegada do Ano novo! Estamos falando de convenções e, assim como qualquer outra, esta é passível de questionamento, uma vez que parte de uma arbitrariedade. Porque poderíamos reduzir a maioridade pra 16. Mas por que 16? É que com 16 já se tem noção do que é proibido e do que não, né? Mas até uma criança de 8 anos já sabe isso. Vamos reduzir para essa idade, então? Ou melhor, podemos permitir que, aos 12 anos, já se possa ver filme com alto teor erótico? E por que não reduzir a idade para um ato sexual entre um maior e um menor? Que tal 14 anos, hein? As meninas já sabem o que é sexo e já têm o corpo desenvolvido, não?

A redução da maioridade é o carro-chefe porque é a discussão pautada pela mídia. Não é teoria da conspiração, acontece que algumas vertentes filosóficas são absurdamente presentes em nossas vidas e nós sequer percebemos. Tal proposta parte de uma perspectiva conservadora que não objetiva mudar as causas, mas retirar as células doentes desse corpo. É isentar as estruturas sociais que levam aos conflitos. Jamais entra em discussão que o sistema prisional apenas tira a liberdade da pessoa e tenta readaptá-la à sua condição social, tapando os olhos da justiça para o fato de que se a realidade do preso for a mesma quando ele sair, é muito grande a chance dele voltar para o crime – e não é ensinando a fazer crochê dentro da cela que a situação vai ser resolvida. Se pudessem, pela conveniência, pediriam pena de morte. Pouco se importam com aqueles que tiveram o veredicto da pena de vida.

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