
No primeiro quadro já tem uma provocação. O curta de ficção já avisa que não é um filme de ficção. A trilha sonora nos remete a algo “verdadeiro”: O Guarani é a música de abertura de um tradicional programa radiofónico que remete à notícia e, portanto, à verdade e realismo. O nome do programa, A voz do Brasil, reforça a idéia de que é o povo quem vai falar (ou de que alguém irá falar pelo povo). O filme resgata esse imaginário sobre a música e aquilo a que ela remete para nos reforçar a afirmativa inicial, de que não se trata de uma ficção.
No quadro seguinte, outro reforço e outra afirmativa: “Existe um lugar chamado Ilha das Flores”. De fato, existe. Mas se não existisse, a Ilha das Flores também poderia ser o referencial imaginado para um referencial real, que seria um certo aterro sanitário onde as pessoas recolhem qualquer coisa do lixo pro próprio sustento.
Ao dizer que “Deus não existe” (terceiro quadro), o diretor expressa uma idéia que dá o tom de todo o curta. Embora muitas vezes parecendo mais uma historinha cômica sobre uma determinada coisa (sobre o tomate, o mercado, o lucro, a comida, o lixo), Ilha das flores é um filme fortemente engajado em uma crítica social irônica que já é delineada nesse terceiro quadro. Ele nos provoca a pensar: se existe um lugar como a Ilha das Flores, existirá Deus? Além de engajado numa causa social importante, Jorge Furtado propõe, desde esse início até a mensagem final, uma profunda discussão filosófica a respeito do ser humano e suas necessidades básicas.
Ao final do curta, que, talvez com exceção da dona Anete e do Suzuki, apresenta apenas questões reais, o tom de comicidade aplicado desde o início perde o rítmo para a gravidade da situação dos que vivem dos restos dos porcos na Ilha das Flores. Ao encerrar essa pequena narrativa sobre a condição humana, Jorge Furtado insere, junto à locução em off, um arranjo de guitarra de O Guarany. Em off, o texto diz assim (trecho do roteiro final):
Confira o video abaixo:
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